
Amor é o resto da paixão. Esta frase pode soar mal, porque somos um tanto preconceituosos com tudo o que é resto. Não é à toa que temos tantas dificuldades mundiais com o lugar em que se deposita o lixo. Há toneladas de toneladas de lixos pelo mundo, e várias discussões em encontrar lugares para que os nossos restos fiquem. Pois, bem, os lixos são os restos que nós deixamos.
É claro que muitos fabricantes exageram em plásticos, embalagens e papéis, mas de qualquer forma, são com os restos do que foi nosso, que não sabemos o que fazer. Aí, se eu digo que amor é resto, há quem sinta cheiro de chorume na frase. Mas o resto do qual eu falo, não é exatamente o lixo orgânico, talvez possamos dizer que é o lixo reciclável. Aquilo que se pode jogar fora, por preguiça ou praticidade a curto prazo; ou pode-se reutilizar. Dá pra fazer artesanato, caderno, agenda, e até construir casa. Mas dá trabalho. Tem que investir.
A gente compra coisas e mais coisas, come e se lambuza, usa e abusa, e depois não quer mais nem ver na frente. Tem que esconder. Pôr no lixo e tampar. De preferência que fique lá fora. Bem longe. Faz de conta que não existe. Aquele que decide trabalhar com o lixo tem uma coragem que é da ordem da necessidade, ou de algum encantamento.
Por isso insisto em dizer que o amor é resto. Paixão é gozo. E este gozo ao qual eu me refiro, é o conceito utilizado por Lacan. Gozo é palavra utilizada para dizer que nem todo modo de satisfação é vivido de forma prazerosa. Assim, nossas paixões, nem sempre nos guiam à alegria. O alcoólatra pode não gostar de beber, a moça pode amar seu namorado sem gostar de tê-lo como namorado, a filha pode brigar em excesso com sua mãe, sem conseguir deixar a sua casa.
Uso aqui “amor” e “paixão” para designar diferentes formas de amor. Por paixão, refiro-me àquelas coisas que são incríveis num primeiro momento, nem tão boas num segundo, mas pelas quais somos tomados, sempre. Aí a paixão passa. E se há algum encantamento, fica o amor como resto. O amor como lixo. O amor como esvaziamento da paixão, resíduo de gozo, lixo reciclável. Não é o cansaço da paixão, mas aquele resíduo mais sincero, que insiste. Amor é a honestidade da paixão.
Fonte: Significantes

mais um texto incrível meu amor, te amo!
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